Os olhos e seus olhares...


Por que temos tanto medo do outro? Por que o simples fato de imaginar que o outro pode estar nos olhando nos faz mudar de comportamento? O que no outro nos leva a imaginar que ele possa estar emitindo algum juízo de valor sobre nós? Que medo é esse? Onde ele tem suas raízes?

Vamos tentar a responder as perguntas acima para que possamos de alguma maneira mudar o nosso ponto de vista a respeito do ponto de vista do outro, se não vejamos:
Bem, o Ruben Alves diz o seguinte: "Dizem os poetas sagrados que, após a queda, os olhos foram a primeira parte do corpo a ser envenenada. De órgãos de carinho transformaram-se em ferrões. Homens e mulheres descobriram o embaraço da diferença e se esconderam... O medo dos olhos dos outros é sentimento universal. Todos gostaríamos de olhos mansos..."

O medo dos olhos dos outros tem suas raízes em um tempo muito remoto, o texto do Ruben nos reporta aos tempos da criação. Desde que a humanidade foi tentada e caiu daquele momento em diante o homem passou a se preocupar com que o outro vê ou pensa a respeito dele. O ser humano deixou de ser autêntico e passou a criar personagens para se relacionar com seu próximo. Logo no início do diálogo da serpente com a Eva percebemos que o jogo da dela é trabalhar com a verdade distorcida, aliás, é a forma mais baixa da mentira, e sistematicamente caminha com a Eva por um caminho que não teria mais volta, o do pecado. A palavra do Criador foi distorcida até mesmo por Eva, que mostra a tendência que temos de exagerar para proteger, veja e compare o que Deus disse e o que a mulher disse a serpente, você vai perceber claramente o exagero, (que outro tipo de mentira).

Deus não havia dito que não poderiam nem olhar, nem tocar, mas o Criador só havia dito que não poderiam comer, caso acontecesse eles morreriam. Pois bem, a serpente conseguiu abrir os olhos da mulher, e ela começou a ver que aquela fruta não era 'tão ruim' assim, era agradável ao paladar, desejável aos olhos e aparentemente boa para dar conhecimento; o fim de tudo já sabe, trocaram Deus pela ciência (conhecimento do bem e do mal). O diabo conseguiu, fez com que Eva olhasse para a árvore com 'outros olhos' e depois disso os olhos deixaram de ser instrumentos de carinho e se tornaram instrumentos de acusação, a humanidade passou a se esconder, de Deus e uns dos outros.

Os olhos se tornaram armas letais, armaduras começaram a ser construídas para deles se proteger; personagens nascem a cada momento para estar diante desta armas, os olhos do outro. Já não temos segurança para sermos nós mesmos, pois pensamos que não podemos ser aceitos/aprovados pelo que somos. Como sofremos!

Tudo o que buscamos é aceitação, nos movemos nesta busca quase insana para nos sentirmos acolhidos pelo outro. Muita coisa que fizemos na vida foi em busca de atenção, aceitação, acolhimento. Mudamos de roupa, corte de cabelo, de marido, de endereço, emprego entre outros por que o olhar ou a expectativa dele nos ditou.

Os olhos deixaram de ser amigos e passaram a ser ditadores, começaram a impor a sua vontade sobre nós. Os olhos deixaram de ser uma janela para uma bela paisagem e se tornaram grades de uma cela de presídio. Os olhos deixam de ser uma expressão de amor para ser um sinal de medo. Os olhos falam, e como falam. Outrora falavam mais de amor, de beleza, de poesia, hoje, porém, de dores, perdas, angustias, solidão...

Como clamamos por olhos por bons! Por janelas que se abrem para belas paisagens, e não por uma abertura com grades em uma parede de cela. As pessoas que vivem e convivem conosco clamam por bons olhos. Muita gente seria diferente do que é hoje se em sua trajetória tivesse encontrado olhos bons, se tivessem se visto diferente, se tivessem encontrado nos olhos que cruzaram seus caminhos um reflexo diferente, mais belo, melhor, com mais esperança...

Que o meu olhar se converta, que o reflexo do outro nele seja um bom reflexo... Que os meus olhos sejam uma janela para uma linda paisagem... Que haja esperança no olhar, doçura no falar e sinceridade no tocar... Que eu seja assim, aceito que aceita a outros.

JM



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